Caso Texas revela o desafio do planejamento energético frente a choques climáticos (Broadcast Energia)

Matéria do Broadcast Energia com a participação CEO da VILCO Energias Renováveis, Sérgio Augusto Costa

Por Wagner Freire (Broadcast Energia)

São Paulo, 18/02/2021 – A massa de ar do Ártico que atingiu o Texas no início desta semana, com temperaturas glaciais da ordem de -17º C, fez com que a demanda de eletricidade aumentasse bruscamente em função da necessidade de aquecimento das residências – ao mesmo tempo em que “congelou” a operação de usinas de fontes térmica (gás/carvão), eólica e até nuclear, cortando 40% da capacidade de geração do Estado.

Segundo especialistas, essa combinação de fatores derivados de um evento climático inesperado é a fórmula perfeita para o “blackout”. O último boletim divulgado pelo Departamento de Energia dos Estados Unidos nesta quarta-feira (17/ às 12h – horário local) informava que ao menos 4 milhões de pessoas ficaram sem energia elétrica a partir da tarde da última terça-feira (16). A Secretária Adjunta Interina do Departamento de Energia dos Estados Unidos, Patricia Hoffman, emitiu um alerta ontem (17) diante da situação de desabastecimento energético do estado do Texas.

Especialistas ouvidos pelo Broadcast Energia disseram que o caso do Texas certamente “entrará para os livros” e servirá de lição para muitos mercados mundo afora, inclusive o Brasil. O diretor-presidente da VILCO Energias Renováveis, Sérgio Augusto Costa, disse que a fonte eólica é responsável pelo atendimento de 25% da demanda elétrica no Texas. As pás dos aerogeradores, por ora, estão congeladas por não ter proteções “antifreeze (elementos de aquecimento dos componentes)”. O congelamento da água prejudicou também a operação das usinas a gás natural (responsável por 40% da energia no estado) e a carvão (responsável por 18%) e, portanto, também ficaram fora de operação.

Para ele, o que acontece no Texas é reflexo de decisões erradas tomadas no passado em relação ao planejamento do sistema de transmissão de energia elétrica. “O Texas é praticamente isolado eletricamente dos demais estados norte-americanos. Assim, em situações de excedente não se exporta energia, bem como para escassez não se pode importar energia de outros estados. Aliás, diferente do Brasil, interessante lembrar que os EUA não possuem um sistema de transmissão de energia elétrica interligado entre todas as regiões e estados do país. E também não possuem um operador do sistema que atue para coordenar e controlar a operação da geração e transmissão de energia, como o ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico) aqui no Brasil.”

O engenheiro elétrico e fundador do laboratório de matemática aplicada (LAMPS/PUC-Rio), Alexandre Street, destaca como questões culturais levam a decisões técnicas diferentes. O Brasil tomou a decisão de interligar todo o País, investindo centenas de bilhões na expansão e manutenção de linhas de transmissão e subestações, de modo a evitar que um evento em uma determinada região interrompa o fornecimento de eletricidade. Por essas linhas são transportados grandes blocos de energia produzidos por usinas das mais variadas fontes de geração de Norte a Sul, de Leste a Oeste.

O estado norte-americano do Texas optou por um sistema elétrico independente, autossuficiente, mas que se provou catastrófico diante do Vortex Polar.

A discussão aberta não é apenas sobre desenhos de mercado, mas como o planejamento energético vai incorporar e calcular o trade-off entre o custo de investir para ter um sistema mais robusto, que garanta o suprimento a qualquer preço, por entender que a falta de eletricidade é mais danosa pra a sociedade, ou apostar nas baixas probabilidades de eventos extremos ocorrerem.

Em agosto de 2020, o estado da Califórnia também pagou o preço da falta de planejamento e descoordenação interestadual. Inversamente ao Texas, o estado mais populoso dos EUA teve um pico de demanda por causa de uma onda de calor extremo. A opção da Califórnia foi apostar todas as fichas nas fontes renováveis, mas faltou geração térmica, após o estado ter desligado 9.000 MW de usinas térmicas nos últimos 6 anos.

No Brasil, a sazonalidade climática sempre foi razoavelmente previsível, com períodos úmidos e secos bem definidos. No entanto, desde 2014 o País não consegue manter os reservatórios cheios por muito tempo, em razão da quebra de expectativa entre o que historicamente se espera de água para produzir hidreletricidade em um ciclo e o que de fato tem acontecido.

Segundo Street, cada vez mais fica claro que o homem não está conseguindo se proteger das ameaças da natureza. Por aqui temos a vantagem de ter um sistema interligado, mas a um custo. “Uma coisa importante a se falar é que a interligação tem um custo. Funciona como uma espécie de seguro e toda vez que se contrata um seguro há três fatores envolvidos: valor do prêmio (investimentos); valor de acionar o seguro (equivalente ao valor da energia que se precisa); e a probabilidade do evento ocorrer”, observou o professor.

O ex-presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Mauricio Tolmasquim, explicou que, por decisão política, o estado do Texas optou por ser isolado, em um modelo chamado de Energy Only Market – ou mercado somente de energia. “Eles não pagam pela capacidade, de maneira nenhuma”, frisou. O racional é que o preço da energia é suficientemente capaz de remunerar os investimentos e garantir os retornos adequados para que a demanda seja atendida.

Ontem (17) Tolmasquim tuitou: “Vortex Polar e disparada no preço da energia de US$ 50 para US$ 9.000/MWh no Texas estão tendo efeitos inusitados. Segundo a Bloomberg, uma comercializadora (Griddy), disse a todos os 29.000 de seus clientes que eles deveriam mudar para outro fornecedor.”

Na home page da Griddy é possível ver uma mensagem em forma de pedido de compreensão aos clientes. “Esta foi a tempestade mais fria em mais de 30 anos no Texas e trouxe um clima sem precedentes em todo o país, mas ainda acreditamos que o atacado é a melhor aposta no longo prazo”, diz o comunicado da a empresa, que é uma comercializadora de energia e oferecia ao seus clientes um valor fixo muito baixo, pois aposta suas fichas no mercado spot.

“Essa comercializadora em específico está fazendo uma campanha para que os seus clientes encontrem outro fornecedor de energia, porque o preço spot vai explodir”, disse Tolmasquim.

O presidente da consultoria PSR, Luiz Barroso, explicou que tem uma massa de ar frio grande que está entrando nos Estados Unidos continental por uma região onde antes não ocorria, porque havia uma corrente de ar que desviava essas massas do Ártico para Oceano. “Mas está entrando e está todo mundo fazendo blecaute rotativo. A expectativa é de que a situação permaneça até amanhã”, alertou.

Para o matemático, que também já foi presidente da EPE, a grande lição deste caso será saber como o Brasil vai incorporar a dimensão da resiliência e dos choques climáticos dentro do processo de planejamento energético. “Independente se optarmos por um mercado centralizado ou partirmos para um mercado de capacidade, se mostra necessário a definição de uma métrica que determine qual é o custo da confiabilidade”, questionou.

Para Tolmasquim, fica clara a necessidade de determinar como será feito o pagamento pela capacidade no Brasil. A criação de um mercado de capacidade está no radar do Ministério de Minas e Energia (MME) como uma forma de remunerar e compartilhar os custos das infraestruturas elétricas que atendem aos consumidores dos ambientes regulados (distribuidoras) e livres (mercado livre), permitindo uma competição maior na parcela “energia”.

Outra lição destacada por Tolmasquim se refere ao papel das comercializadoras de energia. “As comercializadoras são importantes para dar opções de escolha ao consumidor, mas é necessária uma regulamentação que garanta a solvência do sistema e a proteção do consumidor”, concluiu o professor do Programa de Planejamento Energético da COPPE/UFRJ.

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